21/09/2007

A batalha de Roraima

Texto bem interessante e esclarecedor é longo, mas trata de algo que vem sendo relegado propositalmente ou não a segundo plano, mas importante a nossa soberania e existência da Federação Brasil.

Mario Arone

A batalha de Roraima (Lorenzo Carrasco)

Rio, 15/set/07 - A saída do general Maynard Marques Santa Rosa do cargo deSecretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministérioda Defesa, dias após suas declarações publicadas na edição de 4 de setembro do jornal O Globo, confirmando que as Forças Armadas "resistem em dar apoioà PF" para a retirada dos brasileiros não-índios da reserva indígena RaposaSerra do Sol, traz à superfície uma grave crise militar que vem desenvolvendo-se e tenderá a se agravar na medida em que se pretenda que aspróprias Forças Armadas atuem para criar áreas em regiões de fronteira quecolocam em risco a própria soberania nacional. Segundo a nota, a ação da Polícia Federal em Roraima "estava prevista para acontecer este mês, com aparticipação de 500 agentes federais. O Ministério da Justiça pediu o apoiologístico ao Ministério da Defesa, como aeronaves, carros, barracas e até UTI terrestre. O general Maynard Marques Santa Rosa confirmou ontem aoGLOBO que há resistência nas três forças e disse que o momento não éapropriado para a ação. Os militares prevêem que haverá resistência armada da população local se a ocupação ocorrer".
A mesma nota de O Globo informa sobre "a divulgação de um plano secreto da Polícia Federal para desocupar a área de Raposa Serra do Sol também deveretardar ainda mais a solução para a ocupação irregular da terra, de 1,7 milhões de hectares. Aliado dos arrozeiros, o senador Mozarildo Cavalcanti(PTB-RO) vazou dados da operação num discurso no plenário do Senado, noúltimo dia 12. Ele diz que recebeu o documento de um policial federal 'patriota e nacionalista'. Mozarildo tem bom trânsito nos círculo militarque concorda com suas posições sobre a ocupação da reserva Raposa."Em 9 de setembro, em reação às operações planejadas pela Policia Federal, um grupo de arrozeiros protestou na frente da sede da Polícia Federal emBoa Vista (RR) indicando que a retirada dos brasileiros não-índios daReserva Raposa Serra do Sol não será pacífica, e, como o declarou o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, "apopulação que insiste em permanecer na região não pretende negociar",segundo informou a Folha Online nessa data. Durante os protestos em Boa Vista, o deputado federal Márcio Junqueira (DEM-RR) acusou a PF de prepararuma "guerra" para a operação de retirada.
Os problemas do governo Federal para cumprir a determinação do presidenteLula de concluir a retirada dos não-índios da reserva, ainda durante o mês de setembro, aumentaram agora com as acusações de várias liderançasindígenas de Roraima de terem sido "ludibriadas" com uma "CartaCompromisso" assinada com o Governo Federal em Brasília dia 3 passado. No documento assinado no Palácio do Planalto, seus mentores pretenderam "limpar o campo de guerra" ao estabelecer, no último item, o compromissodas lideranças indígenas de manter seus representantes fora da área deação, prevendo resistência na retirada da população não-índia da reserva. O texto disse o seguinte:
Pelo presente acordo as organizações indígenas acima citadas e seus Tuxauas sejam responsáveis em atuar junto aos seus membrosassociados no sentido de orientá-los para que seus membros permaneçam no limite da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, para que, no períodoem que perdurar a desocupação, não avancem o perímetro de segurançaestabelecida pela Polícia Federal e procedem à retirada daqueles indígenas que se encontrarem em áreas internas das fazendas a seremdesocupadas, nas quais os órgãos públicos, Funai, Ibama e PolíciaFederal, estiverem realizando suas atividades institucionais, no estrito cumprimento legal, para procedimento da regularizaçãofundiária na TI Raposa Serra do Sol"
Em documento intitulado "As lideranças indígenas da Sodiur e da Alidicirforam ludibriadas pelo redator da Carta Compromisso", emitido em Boa Vista em 15 de setembro e assinado pelo presidente da Sociedade de Defesa dosÍndios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), Lauro Joaquim Barbosa, acusaque:"Os motivos anunciados pelo Coordenador do Comitê Gestor da Casa Civil da Presidência da República e que levaram a realização dediversas reuniões entre as Organizações Indígenas que subscreveram aCarta Compromisso de 03 de setembro de 2007, não envolviam adiscussão a respeito da retirada de não-índios do interior da TerraIndígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Este tema foi infiltrado (sic)no documento subscrito, no momento de sua redação final. Lauro Barbosa (...) foi enfático em seu pronunciamento feito na cerimôniade assinatura da carta, quando afirmou a sua discordância com asupressão das áreas produtivas existentes na TIRSS, pois entende que as mesmas são essenciais para a segurança alimentar do Povo deRoraima. A SODIUR participou das reuniões com as demais OrganizaçõesIndígenas, porque a promessa do Comitê Gestor era da implementação de projetos de desenvolvimento sustentável para as comunidades indígenas(...) O que motivou a SODIUR em participar das reuniões foi apossibilidade de ser descontinuado o esvaziamento da região, com a implantação de projetos, jamais se pensou na retirada de não-índios.O sentimento é de revolta com a inserção no texto da carta compromisso, assinada sem ler, da recomendação ao Governo de retirar imediatamente os não-índios da TIRSS.Em outra parte, o documento também menciona que as lideranças da Aliança deIntegração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima(Alidicir) defendem a mesma posição da SODIUR e afirma que: "O redator do texto ludibriou esta entidades, pois colocou termos erecomendações na carta que não foram objeto de discussão deliberação nas reuniões e com os quais estas organizações não concordam. Houve promessa do Comitê Gestor da presença da solenidade de assinatura da carta do Presidente da Republica e doVice-Presidente, o que não ocorreu."
Arranjos espúrios na origem da crise. No caso da demarcação da Reserva Raposa Será do Sol, não é nova a turva conduta de Governo Federal. A homologação em área contínua decretada pelo presidente Lula em 15 de abril de 2005, através da Portaria 534/05 do Ministério da Justiça, foi uma decisão que contrariou todos os parecerestanto da Justiça Federal, Estadual, do Senado, da Câmara de Deputados e daprópria Abin. O presidente o fez sob pressões de uma campanha bem articulada de uma rede de ONG nacionais e estrangeiras, como ele mesmo oreconhecera ante o governador de Roraima, Otomar Pinto, tendo comotestemunhas toda a bancada do Estado.
A assinatura do decreto presidencial foi precedida por um ato premeditado e irregular no Supremo Tribuna Federal (STF), na ocasião presidido por NelsonJobim. O ato extinguiu todas as ações judiciais que contestavam ademarcação com base na Portaria 820/98 de dezembro de 1998, promulgada pelo então Ministro da Justiça Renan Calheiros, ação rapidamente seguida pelanova Portaria demarcatória (534/05) e sua imediata homologação. Adeplorável decisão do STF mereceu forte criticas dos ministros MarcoAurélio Mello, Carlos Velloso e Celso de Mello, por extinguir as açõesexistentes sem o respectivo julgamento de mérito e apoiando-se numaportaria do Ministério da Justiça que sequer havia sido publicada. Foiclaramente uma ação acordada entre o Presidente da Republica e o Presidente do STF, Nelson Jobim, e que pode ser considerada como uma ação espúria.A falsa "crise militar"
Tendo como pano de fundo a resistência legitima das Forças Armadas àdelimitação em área contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, e por tanto a retirada dos brasileiros não-índios em área de fronteira, parececlaro que a decisão do Presidente Luis Inácio Lula da Silva de transformaro lançamento do livro Direito à memória e à verdade, organizado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em um grande ato político com todaa pompa e circunstância realizado no Palácio do Planalto em 29 de agosto,tinha o intuito de provocar uma reação militar tirando o foco de atenção do verdadeiro núcleo da crise. Montado o teatro, foi a vez do ministro daDefesa Nelson Jobim lançar uma bravata gratuita desafiando e ameaçando aslideranças militares a não externar qualquer manifestação contrária. Em paralelo, em uma iniciativa quase certamente coordenada, o Partido dosTrabalhadores (PT) emitiu uma ácida moção contra as Forças Armadas duranteo seu recente congresso em São Paulo.
Pareceria intrigante o porquê o presidente Lula, o ministro Jobim e os líderes do PT decidiram desfechar agora mais essa afronta direta as ForçasArmadas que se mantêm como uma das instituições de maior credibilidade napopulação brasileira, sobretudo, quando o próprio Lula acaba de reconhecera necessidade de reequipá-las? E porquê provocar uma crise militar quando ogoverno está consciente que o País experimenta um processo de decomposiçãofuncional, decorrente não apenas da corrupção generalizada, reconhecida no corpo político pelo Supremo Tribunal Federal, mas, principalmente, àruinosa submissão das políticas do Estado ao rentismo e à usura, que drenamincessantemente a vitalidade da economia e da sociedade como um todo? A única explicação plausível à opereta encenada no Palácio do Planalto, em27 de agosto, é precisamente a aberta e manifesta oposição das ForçasArmadas à política ambientalista e indigenista do governo, que tem entregado a ONGs internacionais e suas parceiras "nacionais" o controleefetivo sobre grandes áreas do território nacional, em especial nasfronteiras amazônicas.
Em maio passado o próprio general Maynard Santa Rosa, agora exonerado do Ministério da Defesa pelo ministro Nelson Jobim, teve um papel crucial noveto do Itamaraty à 'Iniciativa para a Conservação da Bacia Amazônica'(ABCI, sigla em inglês), da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID), que constituía um plano de ocupação da região amazônicaprecisamente em áreas transfronteriças, como a Raposa Serra do Sol. Naocasião, o general Santa Rosa na mencionou, em entrevista a Correio Brasiliense de 31 de maio, que algumas ONGs que atuam na Amazônia "muitofacilmente e de maneira barata, são utilizadas como instrumentos decaptação de informações por organismos de inteligência estrangeiros, atuam na espionagem. Sabe-se disso porque os serviços secretos do Reino Unido edos Estados Unidos têm trabalhado na área. Temos informações seguras sobreisso.".Portanto, não estamos diante de uma situação de crise militar que ameace a democracia, mas do choque entre duas visões sobre os interesses nacionais:uma, a do grupo no poder, que procura se perpetuar, com uma visão caolha deque a democracia formal pode se impor sobre os princípios de justiça e bem-estar geral da sociedade (como sugeriu o próprio Lula, ao proclamar queo seu governo estava fora do julgamento do STF sobre os "mensaleiros"porque já tinha sido julgado pela sua maciça votação na campanha de 2004); e outra, a de uma instituição que ainda permanece representando osautênticos interesses do Estado nacional.
Se às Forças Armadas lhes for imposta uma missão contrária à sua missãoconstitucional de serem garantidoras da soberania territorial brasileira, estariam colocando em cheque à própria existência delas. Os interessesoligarcas internacionais que articularam o movimentoambientalista-indigenista internacional como uma forma nova decolonialismo, sabem que em uma guerra o importante não é o número de baixas do inimigo, senão derrotar a sua vontade de lutar, nesse caso pelodesenvolvimento soberano da Amazônia. E estas são as linhas que estãotraçadas na atual Batalha de Roraima.